A importância do design de som

Quando um projeto precisa de mais do que os olhos podem ver.

Rodrigo Leles
Coletivo UX

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Nós seres humanos somos criaturas visuais. Nos perdemos naqueles milisegundos sem visão antes de acordar, buscamos padrões de formas, cores e rostos em tudo que vemos. Somos tão dependentes desse sentido que até na hora de criar nós, designers, caímos no vício de nos apaixonar pelas interfaces belas, alinhadas e funcionais, sem considerar que o som é parte inseparável de como interagimos com tudo ao nosso redor.

Sabia que na animação WALL-E (2007) da Pixar, o designer de som Ben Burtt criou mais de 2400 arquivos sonoros. Isso apenas para o pequeno robô amarelo compactador de lixo. Em Transformers (curiosamente também de 2007), o time responsável usou até o som de secadoras de roupa pra compor o banco de áudio dos Autobots e Decepticons. O quanto esses personagens, robôs, nos soam mais humanos do que esperávamos?

O som faz parte das interfaces visuais desde muito antes do termo "UX" ser cunhado nas paredes dos festivais de tecnologia. Uns dos exemplos mais primordiais são os famosos caixas eletrônicos. Lembra? Quando ainda era impossível pensar em sair de casa só com o cartão do banco na carteira?

Acho que deu ruim…

Por mais que exista o feedback tátil das teclas, o sonzinho do beep passa uma espécie de confirmação para nosso cérebro que de fato apertamos, tocamos naquele botão. Isso se torna ainda mais necessário quando interagimos com telas sensíveis ao toque, presentes em grande parte dos caixas eletrônicos.

Marcas que sabem o poder que o som possui em seus usuário usam esse recurso como parte do branding. É possível saber se um projeto de sound branding deu certo quando você imediatamente reconhece a marca ao ouvir sua assinatura sonora, por exemplo:

De qual marca é esse som?
E esse aqui?

Quando falamos de produtos digitais, o trabalho de criar uma identidade de som é ainda mais desafiador, pois não se trata apenas de criar uma sequência memorável e icônica para seu projeto. É preciso identificar os momentos corretos do fluxo do usuário, permeando as interações com feedback auditivo correto, com cada som sendo criado artesanalmente para que ele reforce um conceito que já está claro na sua solução visual, mas que ganha um sentido ainda mais intuitivo e divertido quando ilustrado sonoramente.

Uns cases massa

Legal, já sabemos que dar atenção ao que ouvimos é tão importante quanto ao que vemos num produto digital, e que isso auxilia e muito à dar personalidade ao app, site, chatbot ou qualquer problema bonito desses que gostamos de resolver… mas quem anda fazendo isso direito?

Trouxe dois exemplos rápidos de produtos que sabem levar a sério o sound design como poucos por aí: Facebook e Skype.

Facebook

Não seria novidade pensar que uma das marcas mais poderosas do mundo também se preocupa não só como ela é visualmente, seus valores e missões, mas também como ela soa.

Um dos exemplos de design de som mais atraentes do Facebook é a solução para quando você recebe uma chamada de áudio:

Criado por Jim McKee e Everett Katigbak (que hoje é brand design manager no Pinterest), o som precisava ser prazeroso de se ouvir, mas ao mesmo tempo convidativo e familiar. Um dos exercícios de brainstorm feitos foi desenhar uma onda sonora com a palavra F-A-C-E-B-O-O-K, que após alguns testes resultou numa sequência de 4 sons que, não por coincidência, se reproduz com a notas F(fá), A(lá), C(dó) e E(mi). Maledetos não?

Skype

Ah, a chamada do Skype… esse é um som que já ouvimos algumas centenas de vezes não? Os responsáveis pela paleta sonora atual é o estúdio Listen, que fica em NY. Em entrevista ao The Verge, o diretor de design Steve Pearce comentou:

Se você pedir às pessoas para imitar ou cantar o ringtone do Skype, eles não podem, com precisão. Fizemos isso de propósito, porque não queremos que ele grude na cabeça.

O aviso de recebimento de chamada é resultado da mixagem de respiração humana, água e vozes. Os elementos orgânicos foram a base para criação de todos os áudios da interface do programa. Bolhas estourando, vozes, elementos que fazem referência à própria "redondeza" da UI do Skype, cheia de círculos e curvas.

Todos sons que compõem o Skype possuem um motivo de estar lá. Todos dizem algo sobre a marca, e são desenhados para reforçar quando algo dá certo ou quando alguma ação falhou. Ao mesmo, o áudio deve ser como uma textura sobre a interface: se chamar demais a atenção, então o som não foi corretamente projetado.

Ouça, teste e dose

Não há receita mágica para design de som. Existem profissionais especializados nisso, como músicos, engenheiros de som, editores, compositores, etc.. que sabem o que usar e como usar para dar sentimento sonoro à produtos digitais. No entanto, nada impede que você comece à testar como seus usuários reagem à esse tipo de feedback nos seus projetos.

Kátching ling lin…

Em 2016, tive uma breve experiência no projeto de áudio da versão beta do beHoppy — Um guia cervejeiro de bolso, contanto com um catálogo imenso de rótulos incrementado pelos próprios usuários.

Ao usar o scanner de rótulos para buscar sua cerveja, buscamos aplicar os sons mais básicos que tínhamos (ainda que de maneira crua e sem tratamento) para avaliar o quanto eles impactavam na experiência de encontrar uma cerveja apontando a câmera para seu rótulo.

Usamos a metáfora de abrir uma garrafa de cerveja com um abridor como resposta para um rótulo encontrando com sucesso em nosso banco. As pessoas que não deixavam seus celulares no mudo e ouviam esse som se mostravam mais empolgadas quando sua cerveja aparecia corretamente na tela, acompanhada do sonzinho refrescante.

O resultado de um projeto de som em UX varia de acordo com a necessidade que ele atende e do tipo de produto que estamos lidando. Essas soluções podem ser puramente funcionais (como um retorno em áudio quando damos um like botão ou recebemos uma push notification) e/ou emocionais, reforçando um sentimento (como uma ligação que cai no Skype 😰).

Conhece outros cases famosos de áudio bem feito para produtos digitais? Pode onde você começaria se precisasse hoje aplicar uma camada de branding sonoro no seu projeto? Como mensurar isso? Adoraria saber sua opinião nos comentários :)

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Designer, but sometimes podcaster, youtuber, creator, maker and/or lazy guitar player.